O mercado de crédito brasileiro, quando observado em perspectiva, revela uma estrutura marcada por assimetrias. Não é exagero dizer que se trata de um dos setores mais concentrados do país. Por décadas, o acesso ao crédito esteve fundamentalmente restrito a um punhado de instituições financeiras — herança de uma política deliberada de consolidação bancária que se estendeu dos anos 90 até meados de 2017. Como resultado, cinco bancos concentram aproximadamente 80% da massa de crédito no Brasil.
Essa configuração, além de limitar o acesso, impõe padrões de crédito homogêneos a uma economia que é tudo, menos uniforme. Em outras palavras, o sistema tradicional se mostrou eficiente para atender grandes empresas com balanços robustos e necessidades previsíveis. Mas, para vastas cadeias produtivas espalhadas por este país continental — com suas especificidades operacionais, riscos idiossincráticos e sazonalidades próprias —, o crédito simplesmente não chega. Ou, quando chega, não encaixa.
Foi nesse contexto que a agenda BC+ do Banco Central, a partir de 2017, abriu caminho para uma nova safra de instituições. Fintechs de crédito, SCDs, ESCs e bancos digitais surgiram com a proposta de diversificar a oferta e, principalmente, atacar essas lacunas. O regulador acenava para um novo ciclo de inclusão financeira. A CVM acompanhou o movimento. Com a promulgação da ICVM 175 e, em especial, os avanços do Anexo II que rege os FIDCs, o mercado ganhou novas ferramentas para viabilizar essa descentralização.
A combinação entre ambiente regulatório mais aberto e o barateamento das tecnologias de crédito produziu um fenômeno: uma legião de empreendedores com formação em dados, negócios e setores específicos começou a se lançar no desafio de criar suas próprias estruturas de concessão de crédito. As fintechs de crédito são, nesse universo, um capítulo à parte.
Empresas que nasceram para atacar distorções
Fintechs de crédito são, antes de tudo, empresas de base tecnológica com um olhar muito específico para um determinado problema de alocação de capital em algum elo de uma cadeia produtiva. Seu diferencial não está apenas em usar tecnologia para reduzir o custo de originação — o que, por si só, já representa uma ruptura em relação ao modelo tradicional baseado em agências físicas e gerentes de relacionamento. Seu verdadeiro valor está na capacidade de entender profundamente a cadeia a que se propõem servir.
Essa especialização permite às fintechs desenhar estruturas de crédito sob medida, muitas vezes ignoradas pelos grandes bancos. Não por negligência, mas por uma lógica de escala: para instituições com foco em empresas de grande porte, o custo de montar estruturas personalizadas para pequenos negócios simplesmente não se justifica.
Fintechs, por outro lado, encontram ali a oportunidade. E mais: ao estruturar bem suas operações, criar sistemas de monitoramento eficientes e comprovar capacidade de cobrança, essas empresas começam a acessar uma nova forma de funding. Nos últimos anos, temos observado bancos médios e grandes se posicionando em cotas sênior de fundos de fintechs — uma simbiose interessante em que a fintech opera a fronteira e o banco diversifica seu portfólio, ganhando acesso indireto a segmentos aos quais, sozinho, não chegaria.
Como avaliamos essas operações
Do nosso lado, esse movimento é acompanhado com atenção. A tese de investir em fundos que adquirem crédito originado por fintechs é promissora — mas exige critérios rigorosos. Analisamos profundamente o time fundador da fintech, seu histórico de execução e os controles operacionais que sustentam a operação.
Queremos entender como a empresa origina, qual sua capacidade de análise de risco, como estrutura os fluxos de monitoramento e cobrança e qual é a robustez de seu processo de conformidade. Avaliamos também a estrutura societária e a maturidade da governança. Afinal, não investimos em promessas — buscamos parceiros capazes de operar de forma consistente, mesmo em cenários adversos.
Por fim, a análise setorial é crucial. A cadeia em que a fintech atua precisa demonstrar resiliência, racionalidade econômica e espaço para expansão. Fazemos, portanto, uma leitura combinada entre micro e macro, o que nos permite ajustar o ritmo de alocação ao longo do tempo.
Relações que resistem à volatilidade
Não é raro que, após esse processo de diligência, criemos laços duradouros com os empreendedores por trás dessas fintechs. Acreditamos que relações de longo prazo, pautadas pela confiança e alinhamento de interesses, são o alicerce para que essas operações entreguem rentabilidade consistente — e sobrevivam à volatilidade do ambiente econômico.
Na próxima carta, compartilharemos em detalhes o racional por trás de uma de nossas alocações neste segmento. A escolha não será apenas um case de investimento, mas também uma oportunidade de aprofundar o entendimento sobre como o crédito pode ser, ao mesmo tempo, uma ferramenta de retorno e de transformação econômica.
Grande abraço,